lunes, 4 de enero de 2010

01. Introduções


O piloto automático estava ativado em meu cérebro. Assim, enquanto meu corpo cumpria com a labor de garçonete à tempo parcial, minha mente vagava para qualquer lugar longe daquela cafetería. Pensava no que minha tia poderia estar fazendo agora mesmo.
Aos dezeseis anos meu primo nasceu e seis anos depois, minha avó que era quem maioralmente cuidava dele foi velar por nós desde o céu, com Jesus e seus anjos, como minha mãe disse aquela tarde chuvosa na sala estilo colonial da Senhora Elisana e todas aquelas pessoas vestidas de negro conversavam em voz baixa. Meu avô desde muito esperava por ela e agora voltariam a estar juntos. Então, aos seus vinte e dois anos, apenas três meses depois do enterro, a tia Ana apareceu na porta da nossa casa, um subúrbio tranquilo em Bella Donna para onde meu pai acabava de ser transferido, com Pedro ao seu lado e uma mochila nas costas. Um táxi esperava do lado de fora.
Nos sentamos diante da televisão onde o Coyote insistia em capturar o Bip Bip mas Pedro, quem é dois anos mais velho que eu, não sorria quando as dinamites explodiam no momento errado ou o animal era atropelado ou caía desde um abismo. Ele só voltaria a sorrir de verdade muito tempo depois.
-Lis, - disse depositando a xícara vazia sobre a mesa da cozinha - sei que você vai cuidar dele como ninguém mais o faria. Mas eu quero muito mais do que essa cidade pode me oferecer e o tempo não espera à ninguém.
-Sempre amei o Pedro como se fosse meu próprio filho e o Arthur também adora esse menino tão esperto - minha mãe respondeu desde seu lugar apoiado no balcão de madeira, com aquela barriga que a cada dia se fazia maior, em quatro meses eu ganharia uma irmã -. Mas, o que você pensa fazer? Quanto tempo você vai ficar fora?
Com voz dura e decidida minha tia respondeu:
-Nunca pensei em ir atrás daquele bastardo e não é agora que o penso fazer. Forjarei minha própria sorte. Metade da minha herança fica em uma conta poupança em nome do Pedro, a outra vem comigo. - apagou o cigarro e enganchou a bolsa Versace no ombro - Você vai ouvir de mim, pequena Lissy. Todos irão.

-Ainda não é Natal, mas como eu fui tão boa menina, Papai Noel já trouxe meu presente. Em um Mustang azul hoje de manhã. - Patrícia conversava eufórica com Cristina. Parecia que quanto mais eufórica, mais nasal e irritante sua voz soava.
Sua casa era a segunda maior de toda a quadra, e seu o pai o preparador técnico do time de futebol do estado. Um time de futebol onde até mesmo os reservas conheciam com intimidade sua filhinha tão mimada. Tínhamos mais ou menos a mesma altura, sobre um metro setenta ou algo assim. Seu cabelo batia na cintura, liso como a seda e cor de fogo, cheia de sardas e de olhos castanhos quase esverdeados. Ela tinha um bom corpo e era consciente disso. Cristina, de pele cor azeitona e um físico muito mais impressionante estava sentada na sua frente bebendo uma coca light que a pouco eu havia entregue em sua mesa.
-E o que ele te trouxe? - perguntou sem se esforçar por demonstrar entusiasmo. Ela só tinha olhos para uma pessoa ali.
Voltei para meu lugar atrás da barra e enquanto colocava pacotinhos de açúcar sobre os pires e enxaguava alguns copos na pequena máquina ao meu lado, Caio seguia com sua narração.
-Então, quando eles chegam no campo de futebol, em meio da noite, e encontram todas aquelas pessoas deitadas de costas no chão com os olhos abertos pro céu escuro... Umas do lado das outras, como sardinhas em lata. Vestidas com roupas manchadas de sangue cheias de machucados, havia centenas delas. O som country da rádio ecoa pelo estádio, todas aquelas pessoas imóveis, com os olhos e boca abertos, sem se mover... e então um dos caras se abaixa e aproxima o ouvido em cima de uma delas pra ver de onde vem aquele som e...

Aquele garoto alto de cabelos castanho claro e olhos de um verde intenso entrou na cafetería como se estivesse respondendo a pergunta da Cristina. Ela girou seu corpo para atrás ao ouvir o som da campainha ao tocar, indicando a entrada de um novo cliente.
Uma voz dentro da minha cabeça me assustou um pouco quando o avistei. Usou adjetivos superlativos que com dificuldade eu diria - e isso apenas diante de uma pessoa de bastante confiança em uma festa de pijamas e uma garrafa de tequila vazia ao lado, vendo filmes românticos, criticando a protagonista e sobrevalorando a beleza daqueles atores pré-fabricados; como aquelas festas que estava acostumada a fazer antes de mudar de cidade e perder as poucas amigas verdadeiras que havia tido ao lado alguma vez - soou com aprovação e cheia de atrevimento. Esse arrebato involuntário me fez sentir como se fosse um pedreiro sedento trabalhando baixo o sol de julho.
Meus olhos também eram verdes, mas eram claros e frios. Uma herança que todas as Celinni herdaram. Os dele eram intensos, como um par de esmeraldas em um rosto que parecia estar esculpido em uma pele que revelava um bronzeado praieiro. Pela primeira vez me senti envolvida por algo assim. Era uma força que me arrastava e atraía, hipnotizante. Quando me dei conta que ele estava parado em meio à um passo e pareceu se deixar e sem dúvida alguma desfrutar do que via, porque meus olhos começavam a descer dominados pela luxúria em direção ao seu queixo, ombros, tórax, abdómem, colo... baixei totalmente a vista e virei de costas.
Sentia uma onda de calor por todo o meu corpo, uma que não fazia apenas com que minhas bochechas ardessem, havia calor em partes bastante indiscretas menos em meu estômago, que estava gelado. Em um arrebato, consciente que meu rosto era uma brasa, levantei o olhar mais uma vez, por cima do ombro esquerdo, e vi como ele dissimulava um sorriso que daria orgulho ao seu caríssimo dentista. Dentes perfeitos, brancos e alinhados. Lábios grossos, mãos grandes e dedos longos, a linha do seu pescoço, o movimento da sua respiração acelerada pelo sorriso... voltei meu rosto e encarei toda aquela parafernália. Taças, xícaras, pacotinhos de açúcar, garrafas de bebida, pratos, talheres, cafeteiras... Pelo reflexo do espelho que decorava a parede que estava diante da barra vi que ele seguia acompanhando meu rosto e seu sorriso seguia ali, com os olhos fixos em mim. Até que uma ruiva entrou em cena.
As intenções não estavam ocultas detrás daquele abraço, estavam explícitas. Ela parecia querer ter a certeza de que ele soubesse o tamanho e firmeza do seu busto, a curva da sua cintura e até mesmo seu peso, pela maneira como se lançou sobre ele. Vi também como inspirava profundamente o seu perfume quando seu nariz roçou o pescoço do jovem. Sim, Patrícia estava solteira e totalmente disposta a dar um fim nessa situação. Então uma mão roçou com delicadeza a minha por cima do balcão, pedindo atenção.

Caio seguia usando aquele penteado que eu não entendia. Por sua fotografia da carteira de motorista sabia que seu cabelo era loiro, quase dourado, grosso e liso. Só que agora mesmo suas mechas eram de raiz loira natural, logo castanho seguido por um beige meio cinza e as pontas de um loiro quase branco. O corte do seu cabelo parecia ter sido feito por uma garota de seis anos que descobre as tesouras na gaveta do banheiro da mãe e vai testar estilismo com suas Barbies. O caso era que essa criança era meu primo quase irmão, Pedro, e também sabia que desde esse dia eles tinham se tornado melhores amigos. De isso faziam mais de dois anos atrás. Resultou que a novatada fez história no campus porque Caio adotou a moda. Ele estava aqui desde o princípio da tarde conversando sobre qualquer coisa com qualquer um, esperando que o Pedro aparecesse.
-Hoje ele deve estar metido em algum lugar escuro, admirando, vigiando, desfrutando e adorando o seu "Tesouro", temendo que ele volte para o seu dono, sabendo que ele quer voltar e que seu dono o quer de volta... Sabe que eu também estou falando do Sméagol do Senhor dos Anéis, verdade? - ele havia dramatizado em sua chegada.
Caio nunca me molestava. Sim, ele era barulhento, louco pela caixa tonta - palavra que meu pai usava para definir a televisão -, falar era seu esporte preferido e era impossível mantêr-lo quieto por mais de cinco minutos mas assumo que ele era como uma raio de sol em um dia de chuva. E Deus sabia que eu odiava a chuva, e que meus dias tinham sido bastante húmidos desde meus nove anos, desde aquela visita à casa da minha amiga de infância. Então sua companhia na verdade era um presente, algo que eu atesourava muito dentro de mim. Esperava que minha amizade fosse o suficiente para mantêr-lo perto. Amigos. Ele era meu tesouro também.
-Tanto medo te deu essa parte? - Caio perguntou se levantando um pouco do banco, envolvendo com mais firmeza e ternura minha mão. Ah, claro. O livro. Uma história de loucos telefônicos.
Ele levantou minha mão esquerda, e então aquele calor repentino, desconcertante e embaraçoso que eu sentia abriu espaço pra uma dor particular, velha conhecida, que me entristecia um pouco sempre que o Caio agia assim. Sua palma da mão tocou a minha, fazendo com que nossos dedos se estirassem por completo. Por alguns segundos aquele rosto tão brincalhão se pôs sério e ele soltou um leve suspiro observando como nossas mãos se uniam. Eu sempre gostei da cor dos seus olhos, eram tão azuis que chegavam a ser levemente cinzas. Já me sentia um pouco constrangida quando ele deslizou os olhos de nossas mãos até meu rosto. Antes que escorresse minha mão, Caio a firmou por um momento mais e seu sorriso burlão voltou.
-N
ão vou contar pra ninguém que foram duas vezes seguidas, ainda que eu estivesse cansado e não desse mais conta. Eu queria dormir mas você insistiu... E você sabe que eu não resisto quando você me pede algo...
-O que? Como?
-Não pense bobagens. Mas, se você quiser pensar bobagens pode pensar. Eu estou falando daquela vez que a
gente assistiu Tarzan, a versão animada. Se eu ficar musculoso e aprender a me balançar nas lianas como ele você vai me dar uma chance? Ou basta eu conseguir o pelo do rabo de um elefante africano?
-Cala a boca, Caio. Por favor... - um ataque de risos tontos me tomaram por ver como ele sempre dava voltas e dizia as coisas no momentos mais inesperados - Se supõe que era um segredo!
-Que eu levarei à tumba. Só espero que não ter que matar nenhuma onça - ele seguia me provocando -...
Ah, o que você quer é me ver andando por aí de tanguinha!
Então minha mãe resolveu aparecer na janela da cozinha outra vez para supervisar o movimento.
-Caio! Porquê não ajuda você também? Mel volta a atender as mesas e o Caio fica aí na barra. - isso não soou como um pedido, então minha crise de risos parou imediatamente.

-Dona Lis, a senhora tá usando o mesmo método que Labão*? - ele disse quando eu lhe passei um avental limpo - Eu gosto muito da senhora e a Melissa tá muito... a senhora me entende. Mas, vinte anos sem cobrar e sendo apenas por uma filha eu não sei se...
Tive que segurar outra gargalhada enquanto anotava os pedidos dos outros clientes mais próximos e limpava algumas mesas. Caminhei até uma onde um casal estava sentado fazia pouco tempo.

O rapaz estava coberto de piercings. Não ao ponto de parecer um punk, apenas bastante atrevido. Com ar distraído formava círculos azuis de fumaça no ar, a perna direita estava estirada sobre o branco marfim de couro e a esquerda meio dobrada próxima à uma maleta que estava apoiada contra o banco com formato de guitarra, ou contrabaixo. Um colete de couro aberto de zíper prata que combinava com seu coturno negro deixava à vista uma camisa vermelho sangue, um jeans bem surrado cheio de correntes de prata amarrados com o cinturão e uma pulseira de couro negro e aros de ferro no pulso esquerdo.
A jovem à sua frente era seu oposto esteticamente, ainda que parecesse sua forma femenina biologicamente. Um ótima versão feminina. Sua jaqueta de couro marrom canela também combinava com suas botas, que subiam até a altura do joelho, ela usava uma meia calça totalmente trabalhada em outro tom de marrom e uma mini saia jeans. Uma bata branca com delicadas flores bordadas sobre ela caíam em um delicado movimento sobre seu colo. Seu cabelo era negro e curto também mas seu corte me fazia lembrar o penteado da atriz que interpreta a amiga jornalista do jovem Superman em uma série de televisão. Seu rosto era delicado e parecia desenhado com aqueles rasgos tão característicos dos asiáticos sobre uma pele muito clara, mesmo que agora ela parecesse estar furiosa por algum motivo. Folheava os classificados e sobre eles haviam numerosos anúncios riscados nervosamente de cor rosa e poucos círculos.
-Víctor. - falou com uma bela e quase infantil voz enquanto digitava números em seu celular cheio de pedrinhas brilhantes.
O jovem arrancou os olhos do vazio e sem a mínima pressa apagou o cigarro no cinzeiro branco e abriu o pequeno cardápio plastificado que tinha diante.
-Hum... Uma Heinneken e... - levantou o rosto e observou como a garota falava agora com uma voz que começava a perder a paciência no telefone - um capuccino com chantilly e calda de chocolate.
-Algo mais? - perguntei como de costume. E quando uma pessoa leva algum tempo trabalhando nisso, sente que já está preparado mentalmente para qualquer tipo de respostas que a acompanhem. Já estava automaticamente preparada para abrir um sorriso de negócios quando ele finalmente me encarou.
Esse parecia ser o dia dos garotos propaganda tomarem café. Sua sombrancelha esquerda tinha dois piercings transversais e outro mais no lábio inferior, que coincidia com uma barba mal feita crescendo sobre o desenho de um cavanhaque. Sua orelha direita continha outra quantidade numerosa de piercings de vários modelos e seu cabelo negro penteado arrepiado pra cima que encaixava perfeitamente com seu estilo era tão escuro como a cor dos seus olhos. Seu rosto também parecia ser desenhado por alguém bem talentoso e seu olhar era astuto. Victor apoiou ambos braços sobre a mesa, deitou uma mão sobre a outra e inclinou o rosto em minha direção. Sem dizer nada, estudou minha figura com um meio sorriso formado nos lábios. Dei por finalizada aquela não resposta e então ele suspirou audivelmente quando dei meia volta:
-Quem sabe...
-Você é impossível. - aquela garota de voz tão bonita falou com naturalidade quando me afastei.

domingo, 3 de enero de 2010

Hora de Mudanças!

Começamos com as mudanças! Essa semana atualização.
História um pouco mais adulta e com detalhes que antes não eram possíveis devido a jogabilidade. Espero que vocês gostem.

Bjokas e Feliz Ano Novo!!
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